quarta-feira, 5 de maio de 2010

A FORMAÇÃO CONTÍNUA NA ESCOLA


"Ninguém liberta nínguém, nínguém se liberta sozinho:
Os homens se libertam comunhão".
PAULO FREIRE
Pedagogia do Oprimido


INTRODUÇÃO:

Nos dias atuais temos nos defrontado com o surgimento de várias diretrizes curriculares, avaliações externas, programas de capacitação e treinamento docente. A finalidade dessas ações tem sido excluir a categoria profissional do magistério na elaboração das políticas educacionais. Infelizmente, condições aviltantes de trabalho e baixa remuneração são escamoteadas. E como solução para "todos" os problemas da escola, as políticas neoliberais vêm sugerindo como medida a ser implementada, a simples formação docente, concebendo o magistério como simples executor e reprodutor de tais programas. Para construção de um novo cenário, faz-se necessário a elaboração de estratégias de formação contínua centradas na escola e assentadas no seu projeto político-pedagógico.

A formação continuada é tão relevante, e deve se constituir como um projeto permanente, integrado ao cotidiano da escola e dos professores. Por isso, é preciso que se instaure a necessidade de uma formação continuada para que os professores possam exercer a reflexão sobre sua práxis, num movimento de pesquisa constante, que revele elaboração e reelaboração do conhecimento, num movimento de pesquisa constante, para garantir a profissionalização de sua atividade. Dessa forma é possível atestar que a formação continuada do profissional docente é um dos elos fundamentais na reformulação do processo educacional no país.
I – A CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO DE FORMAÇÃO CONTINUADA:

Diante de inúmeras criticas recebida, ao longo dos anos, no que diz respeito à organização pedagógica, pesquisas sinalizaram para a necessidade da melhoria da qualidade do professor, principalmente da rede pública. Segundo Lelis, convencionou-se culpabilizar o professor pelo fracasso da escola publica (Lelis, 1992). Nascimento aponta limitações da analise desta problemática, afirmando que desta maneira desvia-se o foco dos problemas de ordem social, política e econômica, como condições materiais de trabalho do professor, baixos salários e deficiência dos cursos de formação, entre outros. Para Antônio Nóvoa a mudança educacional depende dos professores, da sua formação e das transformações pedagógicas na sala de aula. Segundo este autor, as iniciativas de formação continuada devem ser permanentemente interligadas ao cotidiano escolar.
No conceito de formação continuada, existem muitos termos que geram ambiguidades conceituais. Os termos TREINAMENTO, RECICLAGEM e CAPACITAÇÃO foram largamente utilizados. É importante refletir sobre essas terminologias (reciclagem, treinamento ou capacitação), que à primeira vista, parecem equivalentes, contudo, não são sinônimas. Estabelecer diferenças entre o "treinar", o "reciclar" e o "capacitar", não é uma simples questão semântica, pelo contrário, pois cada uma dessas palavras expressa diferentes práticas formativas e distintas intenções políticas.
O TREINAMENTO tem por objetivo de tornar um sujeito apto para realizar um trabalho. O professor deveria implementar projetos prescritos por outros, teoricamente mais aptos, do âmbito governamental, por exemplo. O termo TREINAMENTO pode ser inadequado, se a formação docente for pensada como um processo mecânico que meramente modela comportamentos Para Menezes, essa concepção de "treinar" o magistério ainda embala muitos programas de atualização pedagógica.
O termo RECICLAGEM foi largamente utilizado nos anos 80 para os cursos de atualização do magistério. A prática de reciclar significava a manipulação e a destruição para a construção de uma nova função e forma. O resultado prático dos "cursos de reciclagem" foram cursos rápidos, esporádicos e descontextualizados; e assim, a RECICLAGEM impôs a segregação entre os professores "reciclados" e aqueles que não precisavam. E por fim, a terminologia RECICLAGEM é uma palavra usada no cotidiano para se referir à modificação do "lixo", por isso não deve ser usada no contexto educacional.

A CAPACITAÇÃO foi um termo muito usado, e pode até parecer congruente com a ideia de formação continuada, considerando que a ação de capacitar no sentido de tornar capaz, habilitar, ou seja, tornar uma pessoa mais "apta" ao desempenho da sua profissão. No entanto, a terminologia CAPACITAÇÃO foi aplicada em um contexto político neoliberal, e, teve a intenção de convencimento e de persuasão dos docentes para essa linha política. A palavra CAPACITAÇÃO se mostrou inadequada para ações de formação continuada, uma vez que os profissionais da educação não devem ser persuadidos ou convencidos sobre ideias, mas sim conhecer, analisar e criticar tais ideias, para depois rejeitá-las ou aceitá-las. A iniciativas de CAPACITAÇÃO docente serão representadas por "pacotes" implementados pelas secretarias municipais e estaduais de Educação, que foram implementados de forma acrítica e falaciosa.
Para Candau, no contexto dos programas de treinamento, reciclagem e capacitação, o professor foi compreendido como um simples técnico. Assim, a atividade docente era instrumento de execução de projetos gestados em outros âmbitos. Para Giroux, os professores são tematizados para serem "objetos" (passivos) das reformas educacionais. Articula-se, assim, uma dicotomia entre teoria e prática pedagógica.
O termo FORMAÇÃO CONTINUADA, na década de 90, tornou-se recorrente devido às grandes mudanças, tais como a globalização, a revolução midiática e os novos contextos sociais, políticos e econômicos. Na aurora do século XXI, um novo paradigma de formação profissional começa a ser gestado.
II - OS MODELOS TEÓRICOS:
Com o objetivo de avançar na compreensão da questão da FORMAÇÃO CONTINUADA de professores e, consequentemente, nas suas concepções, apresentamos para análise a contribuição de Demailly. Distinguimos quatro tipos de formação:
A forma universitária: profissionais constroem e difundem de maneira personalidades saberes teóricos, numa relação pedagógica liberal; A forma formativa
contratual: contratos, comerciais ou não, cruzam-se entre si à volta da transmissão de saberes de natureza diversa; o modelo interativo reflexivo: os professores mobilizam apoios técnicos, e forma escolar: pessoas contratadas por uma instância dispondo de "violência" simbólica legítima transmitem aos formandos um conjunto de saberes.
Para Nóvoa, pensar em formação continuada de professores, implica em pensar na criação de redes de formação participada. Para o autor, a socialização e a troca de conhecimentos e experiências entre os professores parece ser um dos caminhos que oportunizam a produção de saberes reflexivos. Analisando e sintetizando os modelos teóricos, acredita ser possível agrupá-los em duas grandes categorias:
A primeira, os modelos estruturantes, que a técnica da racionalidade lógica, objetivando a transmissão de saberes. As formas universitária e escolar estão incluídas. A segunda categoria, os modelos construtivistas, nasceu de um movimento reflexivo e contextualizado para a organização dos dispositivos de formação continuada. Neste grupo estão, as formas contratual e interativo- reflexivo. Através das constatações, é possível afirmar a existência, de formas mistas de organização dos programas de formação continuada de professores. De acordo com os objetivos pretendidos, buscam-se as especificidades de cada modelo para compor uma proposta formativa. Para Antonio Nóvoa, é preciso conceber a FORMAÇÃO CONTINUADA como possibilidade de mudança educacional e redefinição da profissão docente. No vídeo a seguir, vamos assistir o próprio Antônio Nóvoa definindo a questão da formação continuada e os professores também definem o seu trabalho.


III – O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR:

O desenvolvimento profissional do professor tem por objetivo o controle das condições de trabalho no estatuto profissional e na carreira docente. Na década de 80 surgiram trabalhos sobre a formação docente, sinalizando a relevância desta temática. Nesse contexto, surgiram estudos sobre a profissionalização e/ou proletarização do magistério.

Podemos articular que o desenvolvimento profissional docente é um CONTINUUM, consolidado ao longo da vida e da carreira do professor. Para Doyle, o desenvolvimento profissional está relacionado com as condições de trabalho, autonomia, capacidade de ação individual e coletiva. Nessa trajetória o professor de valorização dos saberes dos quais o professor é portador, é articulada às referências teórico-conceituais que legitimam a profissão docente.
O desenvolvimento profissional do professor pode ser visto como uma reflexão da prática pedagógica que ele utiliza. Ou seja, o professor que é o portador do saber, deve estudar durante toda a sua carreira a fim de se aprimorar. Ele deve inovar o método de ensino, estar apto para resolver problemas que surgirão em uma sala de aula, ou no ambiente de trabalho, para por fim, melhorar o processo de ensino/aprendizagem dos alunos. A participação do professor no planejamento das aulas e nas possíveis mudanças curriculares tornam o profissional mais comprometido com a instituição de ensino e com os alunos. Uma vez que ele se sentirá mais valorizado. Além disso, o professor irá contribuir para a formação de cidadãos críticos.

IV – A FORMAÇÃO CONTINUADA CENTRADA NA ESCOLA:

Os programas de formação continuada de professores, pautados no desenvolvimento profissional, negam a concepção individualista e celular das habituais práticas de formação (capacitação, reciclagem e treinamento) e apontam para a importância da escola como lócus privilegiado para organização dessas estratégias formativas.
Defender as iniciativas de formação continuada centradas na escola, não significa conceber essa instituição "escola" como um espaço isolado dos conhecimentos produzidos em outros âmbitos, tais como as universidades. Mas, como o lugar onde se faz sistematicamente um centro de estudos, no interior da escola, com a participação de todo o corpo docente, duas vezes por mês. É dessa forma, a partir do conhecimento produzido nesses encontros, que vamos mudando e construindo nossas práticas e também nossa escola, tornando-a adequada e adaptada ao cotidiano da comunidade.
Essa reflexão coletiva tem nos desenvolvido para melhor adaptar as teorias às nossas práticas, refletimos sobre a nossas práticas, pensamos e reelaboramos em cima dessa prática. As universidades devem ser, como propõe Teodoro, sistemas de recursos para solucionar problemas surgidos no chão da escola.
A escola, nessa perspectiva é o espaço natural e privilegiado para formação continuada, que entende a indissociabilidade entre teoria e prática, que seja reflexiva, inovadora, autônoma e transformadora. Para Nóvoa é preciso valorizar professores reflexivos "que assumam a responsabilidade do seu desenvolvimento profissional, e que também participem como protagonista no desenvolvimento de políticas educativas" (in: Cavalcanti, p. 90).
Nas escolas da prefeitura do Rio de Janeiro temos a formação continuada centrada na escola, como o mencionado na apostila de Didática I (página 88 a 92). Nas escolas municipais, feitos centros de estudos sistematicamente um centro de estudos, no interior da escola, com a participação de todo o corpo docente, duas vezes por mês. É dessa forma, a partir do conhecimento teórico, vamos mudando/construindo nossas práticas e também nossa escola, tornando-a adaptada ao cotidiano da comunidade. Os centros de estudos nas escolas municipais do Rio de Janeiro servem como um bom exemplo de formação continuada centrada nas escolas.


CONCLUSÃO: DEIXANDO DE SER OBJETO PARA SER SUJEITO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
A capacitação, a reciclagem, o treinamento de professores teve muitos nomes, mas sempre tiveram por objetivos: (1) responsabilizar somente as professoras e os professores pelo fracasso escolar, desconsiderando os fatores sociais, políticos e econômicos; (2) transformar os professores e as professoras em "objetos" das reformas educacionais que vinham "de cima para baixo"; (3) a proletarização do magistério, através da alienação do produto final do seu trabalho; (4) a negação da escola como local de formação contínua.
Nesse contexto, o professor e a professora se encontram na posição de oprimidos, que tanto nos fala Paulo Freire no seu clássico a Pedagogia do Oprimido. As reformas educacionais continuam vindas "de cima para baixo", sempre autoritárias e asfixiantes. O professor e a professora eram sempre objetos a serem moldados, capacitados, treinados, reciclados...
Em mundo que se precisa educar a todos, essa fórmula autoritária que torna o docente mero objeto passivo, tem amargado grandes fracassos.
Por isso, hoje, a escola tem sido um local de construção/destruição dos paradigmas novos e velhos. E para uma verdadeira transformação do universo escolar, o magistério precisa deixar de ser objeto, e passar a ser sujeito e coautor das políticas educacionais. A formação contínua, centrada na escola, é uma condição vital para que os professores e professoras se tornem senhores do seu próprio destino, e deixem de ser meros objetos (oprimidos) e passem a serem sujeitos de suas carreiras profissionais.
Vamos terminar com o próprio Paulo Freire falando da importância daquilo que ele definiu, no calor de anos tão difíceis, de formação permanente da educadora. Paulo Freire define que as transformações não vão ocorrer vindo gabinetes, pois a escola que nós queremos se cria no mundo, na história, por cada um de nós. Um relato muito belo, especialmente, se levarmos em conta que ele foi secretário de educação da cidade de São Paulo no momento dessa entrevista.



Bibliografia:

CAVALCANTI, Flávia. Didática I. Rio de Janeiro: IAVM, 2010. Pág. 75-94. (Apostila)

FREIRE, Paulo. A Pedagogia do Oprimido. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

Grupo Formação Contínua:

  • Carla Maria de Abreu Araújo;
  • Daniele Costa Santos;
  • Isabel Emília de Sousa Penedo;
  • Isabela do Nascimento Nogueira;
  • Juliana Antunes Kühner e
  • Maria Conceição Lopes da Cunha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário